Elevador - Terceiro Capítulo

Foi só um sustinho: a chave ameaçou emperrar, mas após recorrer a todos os santos, Amanda foi auxiliada pelas entidades celestiais e a chave girou, a porta abriu. Mal se recompôs e contou seus percalços para Adri e Nanda, suas roomates, e já teve de sair denovo. Precisava chegar cedo na agência, pois marcara com um novo cliente a apresentação de um plano de mídia. Ah, esqueci de falar, Amanda é publicitária. 

Felizmente o elevador funcionou e Amanda chegou na agência sem mais imprevistos. Toda pimpona, pegou suas tabelas, anúncios e vts e esperou o cliente misterioso na sala de reuniões. Quinze minutos depois do combinado, chegou um senhorzinho gordo e grisalho, com cara de vovô simpático. Mas ele não estava sozinho. O comerciante trouxera a filha, Viviane. Era a meio-loira-meio-morena-que-só-come-um-grão-de-bico-por-dia. E com nariz de capivara. O vovozinho até se assustou com as faíscas que saíram na hora em que os olhares delas se cruzaram. 

O vovô aprovou tudo. Vivi, nada. Disse que estava tudo muito caro, que as artes eram de mau-gosto, que era tudo muito comunzinho. Amanda teve certeza que aquela era uma briga pessoal. E sentiu despertado um dos instintos mais primitivos: a disputa de duas fêmeas pelo macho alfa. Isso mesmo, quem aquela tábua tostada pensava que era? Ia roubar dela o Betinho. Era uma questão de horna.

Despachou pai e filha, passou aquele trabalho para um colega e começou a traçar seu plano maligno. Ia ser naquela semana.

Na quinta-feira, escolheu cuidadosamente o que vestir. Primeiro, o sapato. Um scarpin preto cujo salto poderia ser usado como arma. Nas pernas, nada além de óleo de amêndoas Johnson baby. E um vestido vermelho todo comportadinho na frente, sumário atrás. Assim como os índios se pintavam para suas batalhas, Amanda sacou seu arsenal de maquiagem e aprontou-se para a guerra. Definitivamente, estava para o crime. Soltou seus cabelos estilo Grazi Massafera e convocou Adri e Nanda para a acompanharem naquela empreitada.

Depois de passarem pela metade dos bares da cidade, finalmente encontraram Betinho e seus amigos. Quando Amanda, Adri e Nanda entraram, com seus ventos próprios lhes balançando os cabelos, o burburinho daquele bar chegou a silenciar. Era hora do ataque.

E agora? O que fez a nossa insana heroína? Não perca o próximo capítulo.

Conviver


Sem aquele velho chalalá de aceitar o outro como ele é com suas diferenças e limitações. Conviver é muito mais que isso, é aprender. Aprender que quando uma pessoa estiver com problemas de gases ela irá dizer: “preciso soltar um pum”. E todo mundo no carro vai achar aquilo tão espontâneo que vai se rachar de rir. É bem difícil falar isso para alguém que se conhece a pouco tempo, ou pelo menos que não se teve a oportunidade de conviver diretamente.


Uma pessoa com quem convivi mais intensamente durante uma semana me contava que certa vez seu marido e ela haviam saído para jantar com uma amiga. Ele (que chamarei de Aristeu para preservar a sua identidade) não conhecia a tal amiga (que nomearei de Julieta). Durante o jantar as duas conversavam incessantemente e o pobre Aristeu quieto. Sempre ficava assim frente a desconhecidos.


De repente um silêncio sepulcral tomou conta da mesa e a convivência daquelas horas permitiu que Aristeu fosse sincero. Ele apontou para Julieta e sem delongas sentenciou: “você está com um feijão no dente”.


Coisa bonita é essa tal sinceridade que a convivência nos proporciona. É incrível ver as pessoas gritarem “caralho se não te pego, filho da puta!” quando enfim matam aquele mosquito que estava deixando todos irritados.


Conviver é aprender.


Como poderia saber que a pleura é a pelezinha que recobre nossos pulmões? Como saberia detalhes de um procedimento de sonda vesical? E a teoria da Dispersão de Michel Foucault? E você sabe como pular uma cerca para entrar num dos mais movimentados eventos literários do país?


Essas são coisas que só aprendemos assim, conversando, rindo e em meio a tantas outras bobagens. Nossos mestres que nos desculpem, mas as aulas mais chatas nos ensinam muitas coisas, porém a maior parte delas não ficará guardada em nossa memória.

Elevador - Capítulo II

O elevador não estava lá. Podia ver aquele imenso fosso que se apresentava vertiginosamente acima de sua cabeça. Não, aquele não era um dia legal. Resolveu tirar o sapato de salto e subir até seu andar pelas escadas. Não seria um caminho agradável, afinal eram inúmeros degraus até o 15º andar. No caminho pouco utilizado, e reservado apenas para emergências como aquela, encontrou coisas estranhas.

Entre baratas e outros insetos jazia no esquecimento uma meia branca abandonada do 4º andar. Mais acima com o fôlego debilitado e a distância entre os degraus aumentando cada vez mais encontrou um vizinho de um apartamento qualquer que vira poucas vezes. Ele também se embrenhava no esforço de vencer cada andar com o fôlego de quem está acostumado a elevadores, escadas rolantes e muito ar condicionado.

Ele estava com o rosto visivelmente cansado, enrubescido e suado. As espinhas não combinavam com ele. Aparentava ter saído da puberdade já há alguns anos, podia estar enganada.

- Olá – ele disse como que num último suspiro
- Oi – respondeu ela tentando ser simpática naquela situação

Depois de três andares de conversa descobriu que ele se chamava Tiago e morava no apartamento de frente ao seu. Estranho nunca ter prestado atenção nele. Depois de mais alguns andares começou a achá-lo engraçado.

Tiago nunca tinha prestado atenção em Amanda. Não que ela não fosse bonita, apenas nunca a tinha visto tão de perto. As pessoas quando olhadas de perto são muito diferentes. Conversaram mais um pouco enquanto no alto das escadas aparecia a placa que indicava o 15º andar. Riram da situação. Parecia que tinham conquistado o prêmio em alguma maratona.

De frente para as respectivas portas despediram-se. Tiago entrou no número 1502. Amanda colocou a chave na porta do 1501, resolveu girá-la. Não acreditava que aquilo estava acontecendo de novo.

O que estaria acontecendo? Seria mais uma artimanha lazarenta do destino? Alguma coisa poderia salvar o dia de Amanda? Confira no próximo capítulo.

Elevador

Hiperbólicos em ação! No ar o primeiro capítulo de Elevador, a nova novela sabe-se-lá de que horas. E sem comerciais!

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Amanda acordou diferente, estranha. Teve vontade de usar sua calça jeans mais justa, uma bem clarinha. Coloriu perigosamente suas maçãs do rosto, lábios e contornou os olhos. Foi para a agência onde trabalhava, ondulando o vento com seus cabelos.

Talvez fossem os genes entrando em ação, alertando que era preciso preservar a espécie. Amanda sentia agora vontade de ter alguém só pra ela. Assistia filmes e desejava ser a mocinha. Ela, que aos 13 anos deu seu primeiro fora, gostou da brincadeira, e a vem praticando há mais de dez anos. Escolhia seus homens a dedo, utilizando critérios compreensíveis apenas para fêmeas da sua espécie: das loiras lindas e inteligentes.

Gilberto era um rapaz quieto e discreto, mas sua mera presença vinha lhe amolecendo as pernas.  Filho de um empresário, o Betinho, como era conhecido, cuidava de uma das oito lojas da família. Óbvio que vivia cercado de loiras siliconadas e rinoplastizadas, mas fazer o que. Amanda bateu o olho na criatura e não teve jeito. Era o seu primeiro amor-platônico. Adolescência tardia, temia.

Só que naquela manhã ela o viu com uma dessas. Uma morena meio loira, com cara de quem comia um grão-de-bico por dia pra não engordar. E com um nariz... Ok, era bonitinha, bem arrumada e rica. Amanda sentiu o impacto. Caíra na realidade. Compreendeu que nem o Betinho, seu modelo de homem ideal, prestava. Era mais um que ficava bobo diante de uma bunda. Por um momento desejou ser a megera das comédias românticas. Desistiu e foi trabalhar, burocraticamente.

Ao meio-dia só queria voltar pra casa e tirar aquela maquiagem. Depois de quase bater o carro três vezes, entrou na garagem do prédio e, surpresa! A sua vaga estava ocupada por um palio vermelho ridículo. Teve vontade de descer e gritar. Estacionou seu carro no corredor, contou até 18, equilibrou-se no salto e rumou para o elevador. Pensou em rir da situação, mas não deu tempo. Tropeçou num saco de lixo. Comoassim um saco de lixo na garagem? O elevador chegou, a luz vermelha acendeu e a porta abriu. Era demais pra ela.

E agora, o que vai acontecer? Mais uma decepção, a recompensa pela manhã de azar ou nenhum dos dois? Descubra no próximo capítulo.

A história de Chapeuzinho Vermelho





Numa contribuição de MARCÓN, Ambrósio Marcón, confira a história de Chapeuzinho Vermelho relatada pela mídia no Brasil e por um veículo estadunidense. É daquele tipo de coisa que rola pela internet, se recebe por email, é inútil e faz qualquer um (com senso de humor) se mijar de rir.



Obs.: a imagem combina com a sexta descrição!


Acompanhe:



JORNAL NACIONAL
(William Bonner): 'Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um Lobo na noite de ontem...'.

(Fátima Bernardes):'... mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia'.

PROGRAMA DA HEBE

(Hebe Camargo): '... que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?'

BRASIL URGENTE

(Datena): '... onde é que a gente vai parar, cadê as Autoridades? Cadê as autoridades? ! A menina ia para a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... Um lobo, um lobo safado. Põe na tela!! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não.'

REVISTA VEJA

Lula sabia das intenções do lobo

REVISTA CLÁUDIA

Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no Caminho

REVISTA NOVA

Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama

FOLHA DE S. PAULO

Legendada foto: 'Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador'.Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.

O ESTADO DE S. PAULO

Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT

O GLOBO

Petrobrás apóia ONG do lenhador ligado ao PT que matou um lobo pra salvar menor de idade carente

ZERO HORA

Avó de Chapeuzinho nasceu no RS


AGORA

Sangue e tragédia na casa da vovó

JORNAL SUPER NOTÍCIAS

Lobo mastiga as tripas da chapeuzinho e lenhador destrói tripas do lobo para retirar a garota (foto ao lado da barriga do lobo com as tripas pra fora).

REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte)

Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: 'Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa'

PLAYBOY (Ensaio fotográfico no mês seguinte)

Veja o que só o lobo viu

REVISTA ISTO É

Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente

SUPER INTERESSANTE

Lobo mau! Mito ou verdade?

DISCOVERY CHANNEL

Vamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.

O que é ser hiperbólico ou de onde veio o blog


Nesse mundo de loucos, há pessoas onomatopéicas, sinestésicas, paradoxais, os irônicos, os metafóricos e até os anacolúticos. E você, já pensou que figura de linguagem seria?

Nós somos hiperbólicos. Os normais têm fome. Os exagerados morrem de fome. E os hiperbólicos têm o estômago derretido pelo suco gástrico de tanta fome. As pessoas normais consideram uma pessoa feia. Os exagerados podem achá-la um demônio de feia. Prefiro não dizer o que, nós, os hiperbólicos, achamos dessa pobre pessoa.

Parece cruel ser hiperbólico, mas tem lá seu lado bom. Uma pessoa normal fica feliz. Um exagerado fica pulando de alegria (essa mistura de figuras de linguagem tá me confundindo). Um ser hiperbólico é capaz de não caber em si de tanta felicidade por um motivo pequeno, como ouvir sua música preferida. (Não confundir hiperbólico com retardado nem com bipolar. Ou então confunde, são todos loucos mesmo.)

Somos assim, passeamos pelos extremos todos os dias. Criamos esse blog porque nossa imaginação é muito, muito e exageradamente hiperbólica. E a gente pensa tanta coisa que isso acabou se materializando, e está aí O Hiperbólico.

Em pouco mais de uma semana, tivemos mais de 160 visitas! Tudo bem que eu e o Léo demos uns 50 F5 cada, e os outros 60 entraram obrigados, mas essa marca histórica merece ser reconhecida. 

Prometemos melhorar o blog e continuar escrevendo “coisas”, sem periodicidade muito menos linha editorial. Há rumores nos corredores do prédio onde funciona a redação dO Hiperbólico que o próximo post será o primeiro de uma série. 

PS: Para mostrar que me importo com nossos pobres leitores, seres ingênuos que entram aqui sabe-se lá por quê, vou premiar o visitante número um, autor do print acima, com uma barra de chocolate Talento edição limitada com nozes e macadâmia. 

Foto legenda




Aquele tipo de imagem que vale mais do que mil palavras: Faltava só um dente, para caírem TODOS!

Eu comigo


Entendi que ia ser pior do que eu imaginava na primeira noite. Não que fosse dormir todas as noites seguintes coberta com uma toalha de banho num colchão no piso de um apartamento sem móveis e sem cortinas, com caixas e sacolas pelos cantos. Muitas caixas e sacolas.

Quando girei a chave na fechadura pela primeira vez só comigo do lado de dentro tive medo de conviver com tão estranha criatura. Medo de perder a chave, de não acordar, de não dar conta dos problemas que, eu sabia, viriam aos borbotões. Ok, medos idiotas e eu tinha quem me ajudasse, mas não ia ligar pra ninguém as três da madrugada por causa de um cheirinho de gás. Ou porque a descarga do banheiro estragou. Na verdade, mais estranho que telefonar as três da madrugada pedindo ajuda pra arrumar a descarga foi a maneira com que resolvi isso sozinha: trocar a pecinha quebrada por um clipe! Óbvio! Isso se o clipe não enferrujasse e quebrasse a cada 15 dias. Mas tudo bem, tenho uma caixinha cheia de clipes.

A vida solitária tem também suas delícias. Como almoçar um iogurte sem ninguém te encher. Descobri que isso não é problema, desde que você faça um lanche caprichado às duas da tarde. Mas essa liberdade compensa: você pode almoçar um iogurte só de blusa e pantufa cantando please dont stop the music sem ninguém te achar louca. Tá, os vizinhos vão achar, mas que respeito devo a seres que ostentam na sala a estampa de um elefante roxo? Ou que reclamam que o cachorro da vizinha de cima está com as unhas tão compridas que dá pra ouvir cada passo do bicho do apartamento de baixo? Normal sou eu! E daí se a antena da minha TV era uma colher.

A primeira aranha foi inesquecível. Enorme, cheia de pernas e bem braba. Ela deu risada do meu SBP, e eu percebi que teria de usar minhas havaianas. E que ela, depois de esmagada, ia melecar a parede e eu ia ter de limpar. Botei as luvas, bati nela com as havaianas, limpei a parede e fim do problema! Isso se depois não viessem me visitar as baratas e a lagartixa. Sim, uma lagartixa dentro do box do banheiro. Mas ela se suicidou e me poupou de mais uma execução.

Hoje faz mais de um ano que troquei uma casa normal por esse cubículo. Dá saudade de ter comida à vontade, de poder sair sem medo, de ter roupa e casa limpas sem esforço. Da família e dos amigos também, mas esses eu vejo sempre e não me sinto afastada. A distância me fez entender o quanto essas pessoas são fundamentais. E essa mesma distância me proporcionou outra família, de gente que chega e senta no chão, quebra meu ralo e (argh!) pisa no meu tapetinho cor-de-rosa.

Numa rápida olhada por esse lugar, percebo que reflete a minha vida. Sempre faltando algo, arrumar as cadeiras, guardar os calçados, jogar o lixo fora, abastecer a geladeira. Mas olhando pra tudo o que eu mais gosto e tenho aqui dentro, sei que valeu a pena arrastar sozinha os móveis e levantar sempre que o despertador mandou. Talvez assim acabei exercitando algum músculo necessário pra ter força, de verdade.

Necessidades obscuras



Todos temos necessidades. Na classificação de um amigo algumas são mais obscuras que outras. Certo dia me contava que o cachorro dele, de nome Spike, era muito educado ao passear com ele na rua. Na hora da necessidade obscura ele rapidamente procurava uma moita (arbusto) para poder se deleitar ao prazer de aliviar-se. O estranho é que não contente em estar perto da moita ele alocava suas partes dentro dela para que ninguém pudesse vê-lo. Devia ser tímido. Talvez a perna manca e os olhos vesgos o deixassem com um complexo de inferioridade perante outros cães bonitos e viris. Não se sabe, até hoje ele não falou sobre isso com ninguém.

Qualquer cachorro satisfaria sua necessidade obscura à vista de todos com a maior cara de pau. Mas Spike não, ele era um cachorro diferente. Segundo meu amigo era educado. Nunca tinha parado para pensar nisso. Alguns cachorros fazem suas necessidades na frente de todo mundo, enquanto outros se escondem para fazê-lo. É estranho.

Penso que as pessoas devem compartilhar desses genes com os cães. Algumas não se sentem a vontade para satisfazer suas necessidades obscuras fora de casa. Outras em compensação não podem ver uma privada (comparada a moita) livre que já querem se achegar e utilizá-la. Nos últimos lugares em que trabalhei conheci pessoas desse tipo. Elas chegavam a ter horário marcado para ocupar a ‘moita’. Não satisfeitos em usar a ‘moita pública’, deixando putrefato o ar do ambienta comum, o faziam isso no horário de almoço, justamente quando todos os profissionais disputavam as pias para poder fazer a sua higiene oral.

Além de ser um gesto de extrema falta de respeito é também falta de higiene. Tudo bem, ninguém está livre de sofrer uma indisposição intestinal súbita. Mas todos os dias, no mesmo horário, é complicado. Ninguém deve ser obrigado a conviver com os odores alheios, principalmente de quem não se conhece, e não se convive diariamente.
A convivência obriga-nos a aceitar e compreender tais necessidades, afinal quando se divide a casa com outras pessoas estamos sujeitos a isso, mas é diferente. Neste caso existe uma estrutura comum a todos. Não é uma ‘moita pública’, mas um espaço particular aos ocupantes de certa residência.
Caros cagadores de ‘moitas públicas’ aproveitai vossa dignidade humana e utilizai o conforto de vossas casas para satisfazer necessidades obscuras. Ninguém está livre do mal intestinal súbito, mas enquanto puder evitar continuarei usufruindo do conforto proporcionado pela ‘moita’ particular e coletiva instalada em minha casa.

Inútil! A gente somos inútil!


É incrível observar como as pessoas reagem frente a uma atividade. Algumas a desempenham com exímia habilidade e perfeição, outros a executam com qualidade, outros não tão bem. Mas existem aqueles que não acertam uma única vez, e conseguem destruir qualquer coisa que toquem. A essas pessoas chamamos de INÚTEIS. E é a elas que se dedicam estas linhas mal traçadas.

Todos temos limitações. Uns mais que outros. Algumas pessoas são tão boas naquilo que fazem que impressionam a qualquer um. Existem também as desastradas. As desastradas são fantásticas, não erram por maldade, mas tem um dom inabalável de esbarrar, quebrar e atrapalhar principalmente nos momentos em que mais precisam sr discretas, mas essas não são INÚTEIS.

Das várias pessoas que conheço poucas, poucas MESMO, podem se encaixar nessa categoria. Afinal não é fácil ser um INÚTIL, é preciso treino, concentração, disposição, e, acima de tudo, vocação. Os INÚTEIS são predestinados. São criaturas míticas tocadas por uma sapiência única. Todo o conhecimento desta variedade humana é guardado em segredo para que não se espalhe e eles não percam seus postos privilegiados.

Todo mundo com certeza já deve ter presenciado um INÚTIL em ação. Eles estão por toda a parte. Na construção perto de sua casa ensaiando a Sinfonia da Marreta em pleno sábado de manhã. Em momentos especiais como formaturas, aniversários e outras festividades para garantir que a Lei seja cumprida: Se algo tem alguma chance de dar errado, dará!

Os INÚTEIS que me perdoem, mas a inutilidade deveria doer!

Noção?!

Vou brindá-los com um diálogo ocorrido num dos últimos bailes de formatura. Homens, não envergonhem o vosso gênero como esse vivente. Nós não merecemos. Se o cara é feio a gente até perdoa, mas feio e mala não tem jeito!


- Oi, desde que fomos apresentados eu fiquei interessado em vc...
- Hum... e vc lembra o meu nome?
- Não, mas é que estava muito tumultuado antes... não sou daqui, vim pra formatura do meu primo, conhece tal cidade?
- Não.
- É perto daquela outra cidade, conhece?
- Não.
- Pra chegar lá tem que passar por tais e tais cidades, sabe?
- Não.
- Conhece alguma cidade no Paraná?
- Sim, mas não a sua.
- Como vc é brava e amarga!
- Obrigada pelos elogios!
- Por que as mulheres daqui são assim?
- Hum, quer dizer que vc levou vários outros foras... será que o problema é com as mulheres daqui?
- Você só me apedreja!
- Tiau, vou ali dançar com os meus amigos.

Danoninho


Olhou para frente mais uma vez e teve certeza: era ele. Poderia se esconder entre as dezenas de prateleiras do supermercado, mas correr o risco de ser vista fugindo entre as bananas e as melancias era infinitamente pior. Ele estava de lado, colocando um cacho de uva branca num saco plástico. Quando fosse pesar suas frutas, obviamente a veria. O que fazer? Disfarçar? Sorrir? Erguer um melão pra tapar o rosto? Os quatro milésimos que restavam não foram suficientes para tomar uma decisão tão complexa.

Eduardo viu Luisa. Viu suas havaianas slim, viu sua blusinha verde e viu seu short jeans. Ela viu seu tênis nike, sua bermuda azul e sua camiseta branca. E seu sorriso com uma centena de dentes brancos, seus olhos escorrendo açúcar e seu cabelo meio em pé. O estômago de Luísa doeu nessa hora. Comoassim a encontrar no supermercado numa tarde de sábado? Que a encontrasse na rua, descabelada e com sorvete no canto da boca, mas não com aquela cara de criança assustada que tinha certeza que estava estampando. Tarde demais. Tinha que se mostrar adulta, bem resolvida, interessante, magra, inteligente, educada, feliz e simpática.

Ela: Oi...
Ele: Oi!
(beijo na bochecha)
Ela, três tons mais vermelha: Comoassim, você aqui?!
Ele, dando um soco no estômago dela com seu sorriso: É, tava aqui perto e lembrei que precisava de umas coisas...
Ela: Uvas?
Ele: Não, as uvas não estavam nos planos.
Ela: Que bom te ver, faz quanto tempo...
Ele: É, vc parece estar muito bem. Tá até bronzeada...
Ela, esquivando-se de mais conversa: Artificial. Bom, tô com um pouco de pressa, vou indo. Nos vemos por aí.
Ele: Então tá, te cuida.

Os pés de Luisa a levaram para os laticínios, mesmo ela tendo saído dali há pouco, de onde pegara os danoninhos que estavam na sua cestinha. “Danoninhos? Droga, agora ele viu que eu amadureci um monte”, martirizou-se a moça. E não era só isso: ao lado dos danoninhos repousavam biscoitos passatempo e cenourinhas da Turma da Mônica. Ele estava rindo daquilo, teve certeza. No calor da hora, nem lembrou do que tinha na cestinha dele, além das uvas. Acha que viu uma caixa que podia ser de qualquer coisa, até bombons para alguém. Luisa se odiou por pensar como uma mulherzinha paranóica.

Devia ter falado com ele direito. Mas como ia acertar agora se sempre fazia tudo errado? Resignou-se e foi pro caixa. Lá, entre um bipe e outro, entendeu que não eram infantis apenas sua alimentação e suas roupas: ela era uma criança. Foi embora, conheceu outras pessoas, raramente o viu.

Eduardo gostava de Luisa porque ela era criança. Nunca conseguiu entender porque ela o evitou.

Nova síndrome ataca centenas


Uma nova síndrome tem feito centenas de vítimas e assustado pessoas como esta que escreve. Apesar de não ser nenhum tipo de profissional da saúde nem de áreas afins esta nova enfermidade tem me deixado realmente preocupado pelo número de pessoas que atinge atualmente.


Apesar de já se tratar de uma epidemia engana-se quem pensa que ela atinge apenas as castas mais decadentes da nossa sociedade. Todo dia pessoas de sangue nobre e traços de realeza aparecem contaminados. Apesar dos números alarmantes de contágio a prevenção e a cura são mais simples do que parecem. A SinAE (Síndrome Alérgica a Educação) ataca pessoas de todas idades. Entre os sintomas mais clássicos estão o repúdio a cumprimentos de qualquer natureza (bom dia, olá, como vai?), a tradicional cara de antipatia quando você tenta ser simpático, e em alguns casos é possível perceber a expressão de dor no rosto da pessoa quando são obrigadas a terem uma atitude de educação.


Nas ruas os atingidos aumentam proporcionalmente ao fluxo de pessoas. Em horários de picos você pode conviver, tocar, passar, olhar, mas jamais ser visto, sentido, prezado por dezenas, centenas de milhares deles. Talvez o velho costume interiorano de cumprimentar quem passa na rua, mesmo que não se conheça, tenha se tornado obsoleto e tão raro que só é possível de ser presenciado em sociedades primitivas intocadas pelos intangíveis valores da metrópole.


Talvez nada possa se comparar a um ‘bom dia’ proferido por uma voz desconhecida. O prazer de ouvir e responder será o eterno desconhecido dos atingidos pela SinAE. A cura é fácil depende de apenas uma atitude de desapego do orgulho e do entendimento que por mais imaculado que possa ser um nome ou status social continua valendo aquela máxima: algo que alguém fez, qualquer um pode fazer!