Eu comigo


Entendi que ia ser pior do que eu imaginava na primeira noite. Não que fosse dormir todas as noites seguintes coberta com uma toalha de banho num colchão no piso de um apartamento sem móveis e sem cortinas, com caixas e sacolas pelos cantos. Muitas caixas e sacolas.

Quando girei a chave na fechadura pela primeira vez só comigo do lado de dentro tive medo de conviver com tão estranha criatura. Medo de perder a chave, de não acordar, de não dar conta dos problemas que, eu sabia, viriam aos borbotões. Ok, medos idiotas e eu tinha quem me ajudasse, mas não ia ligar pra ninguém as três da madrugada por causa de um cheirinho de gás. Ou porque a descarga do banheiro estragou. Na verdade, mais estranho que telefonar as três da madrugada pedindo ajuda pra arrumar a descarga foi a maneira com que resolvi isso sozinha: trocar a pecinha quebrada por um clipe! Óbvio! Isso se o clipe não enferrujasse e quebrasse a cada 15 dias. Mas tudo bem, tenho uma caixinha cheia de clipes.

A vida solitária tem também suas delícias. Como almoçar um iogurte sem ninguém te encher. Descobri que isso não é problema, desde que você faça um lanche caprichado às duas da tarde. Mas essa liberdade compensa: você pode almoçar um iogurte só de blusa e pantufa cantando please dont stop the music sem ninguém te achar louca. Tá, os vizinhos vão achar, mas que respeito devo a seres que ostentam na sala a estampa de um elefante roxo? Ou que reclamam que o cachorro da vizinha de cima está com as unhas tão compridas que dá pra ouvir cada passo do bicho do apartamento de baixo? Normal sou eu! E daí se a antena da minha TV era uma colher.

A primeira aranha foi inesquecível. Enorme, cheia de pernas e bem braba. Ela deu risada do meu SBP, e eu percebi que teria de usar minhas havaianas. E que ela, depois de esmagada, ia melecar a parede e eu ia ter de limpar. Botei as luvas, bati nela com as havaianas, limpei a parede e fim do problema! Isso se depois não viessem me visitar as baratas e a lagartixa. Sim, uma lagartixa dentro do box do banheiro. Mas ela se suicidou e me poupou de mais uma execução.

Hoje faz mais de um ano que troquei uma casa normal por esse cubículo. Dá saudade de ter comida à vontade, de poder sair sem medo, de ter roupa e casa limpas sem esforço. Da família e dos amigos também, mas esses eu vejo sempre e não me sinto afastada. A distância me fez entender o quanto essas pessoas são fundamentais. E essa mesma distância me proporcionou outra família, de gente que chega e senta no chão, quebra meu ralo e (argh!) pisa no meu tapetinho cor-de-rosa.

Numa rápida olhada por esse lugar, percebo que reflete a minha vida. Sempre faltando algo, arrumar as cadeiras, guardar os calçados, jogar o lixo fora, abastecer a geladeira. Mas olhando pra tudo o que eu mais gosto e tenho aqui dentro, sei que valeu a pena arrastar sozinha os móveis e levantar sempre que o despertador mandou. Talvez assim acabei exercitando algum músculo necessário pra ter força, de verdade.

1 comentários:

nicole disse...

você pode almoçar um iogurte só de blusa e pantufa cantando please dont stop the music sem ninguém te achar louca.Essa é a melhor parte de se morar longe dos pais...