Noites Estranhas - Final

Toda tentativa de explicar o porquê da demora do capítulo final de Noites Estranhas (um ano, cinco meses e 19 dias) será em vão. Portanto nenhuma explicação (leia-se desculpa esfarrapada) será dada neste espaço. Abaixo segue o último magnífico, tão esperado e aplaudido por dezenas de milhares de pessoas capítulo de Noites Estranhas. Sugiro que releiam o penúltimo capítulo, assim como o antepenúltimo e os quatro anteriores a esse para não perderem a continuidade da história.

Um grande abraço!

P.S.: Estamos planejando novidades. No momento elas são tão secretas que nem eu nem a Carla sabemos quais serão, mas aguardem. E quem tiver alguma coisa para desabafar, uma história esdrúxula para contar fique a vontade. Nossas fontes sempre serão preservadas


Noites Estranhas - Final

Giovani não olhou para trás. Seguiu rápido na direção do carro como se precisasse socorrer alguém. Ele estava a poucos metros do veículo, mas o trajeto parecia não ter fim nem pare ele, nem para Paula. Giovani parecia não piscar, nem respirar, só queria chegar ao carro o mais rápido possível. O caminho era curto. Os passos não venciam os poucos metros, o tempo era vagaroso.

Paula ainda não sabia se estava acordada ou se apenas desfrutava de um sonho – ou pesadelo – não sabia definir. Todos os ruídos estavam longe, as palavras de Débora não faziam sentido. O ombro de Guto não era mais confortável. Algo não estava certo. Ela não encontrava o erro, ou o motivo de aquele homem misterioso causar tantas sensações se ela mal o conhecia.

Giovani parecia conhecer Paula muito bem. Ele já tirava o pé do último degrau forrado de lajes cor de tijolo – daquelas que se encontram facilmente em liquidações de lojas de materiais de construção – e quase pisava na calçada construída com retalhos de pedras de basalto. Os desenhos abstratos formados pelos pedaços das lajes eram como a história de Paula e Giovani. Não tinham um começo, uma ordem, sequer uniformidade de cor.

O tempo não passava. Tudo estava parado naquele momento. A rua sem pessoas. O silêncio rompido apenas pelo cantar de alguns pássaros que resolveram abrir a manhã. Ao colocar o primeiro pé na calçada, num sincronismo perfeito, o vidro do Fusion preto começou a baixar. Giovani apressou-se ainda mais.

Não daria tempo. Ele não conseguiria evitar, mas tentou. Segurado por alguma força misteriosa do tempo, faltavam ainda alguns passos para ele chegar no carro quando duas mãos macias saltaram para fora da janela. Elas foram seguidas por um corpo que apenas precisava, e muito, sair daquele local.

Paula não conseguia acreditar, entender, saber se eram reais aqueles segundos que se estendiam como a agonia de uma mãe em trabalho de parto. As mãos e o corpo foram seguidos de um grito, mas não de pavor ou de medo. Ela não conseguiu entender o que as palavras diziam. Era uma voz estranha para saltar de um carro àquela hora da manhã. Era a voz de uma criança que choramingava por algo que Giovani levava nas mãos.

O tal misterioso tinha um filho. Pior que isso, pensou Paula, deixava ele e a esposa em casa para sair na noite à caça de jovens morenas, loiras, de cabelos cheirosos e corpos torneados. Com um pouco de razão que se esforçava para manter ela começou organizar as idéias. Se sentiu mal por ter dado alguma atenção àquele tio cavalheiro e ‘dedicado’.

A morena esticou-se para ver um pouco melhor. Com os olhos ainda embaralhados pelo efeito do álcool ela pode enxergar mãos maiores que seguravam a criança. Quando finalmente pode ver algo mais confiável do que um vulto no banco do carona ela começou a entender a situação. De alguma forma a lucidez foi recobrada de forma instantânea, talvez fosse a adrenalina, não importava ela nunca gostou de fisiologia.

Tentou não acreditar e olhou mais uma vez para dentro do Fusion preto. O rosto daquela mulher era familiar. Ela conhecia, mas não podia lembrar de onde. Giovani pegou a criança no colo saltou para dentro do carro e saiu depressa sem olhar para trás ou usar as setas para indicar a manobra.

Paula apagou. Acordou às 15h de domingo com o barulho do celular. Do outro lado a voz de Guto perguntava se ela estava bem.

- Aham – resmungou sem disfarçar que acabara de acordar.

- Fiquei preocupado com você ontem à noite. Na verdade hoje de manhã – ele esboçou uma risada pouco convalescente.

- Está tudo bem. Não se preocupe – insistiu

- Que bom – disse acompanhado de alguns segundos de silêncio. Podemos nos ver hoje?

- Quem sabe mais tarde, ainda estou sonolenta.

Despediram-se. A morena rolou pela cama mais uma vez e levantou. Estava de camisola de algodão com o desenho de um urso estampado na frente. Ela sorriu. Não tinha a menor idéia de como se vestira.

Ao colocar o primeiro passo pela sala entendeu. Débora dormia no sofá com a televisão ligada. Ela havia cuidado de Paula. Ela sorriu mais uma vez. Foi até a amiga e beijou a testa dela como sinal de agradecimento. O domingo transcorreu normal. Paula não viu Guto. As amigas apenas aproveitaram para conversar e descansar. Na segunda-feira precisavam estar recuperadas. E assim foi.

Logo depois que amanheceu o primeiro dia útil da semana, Paula acordou e começou a se aprontar para ir ao trabalho. Fazia questão de acordar um pouco mais cedo para poder tomar banho. Secar os cabelos. Tomar um exagerado café da manhã – ordem da nutricionista.

Eram quase 8h quando saiu para ir ao trabalho. Algumas crianças atrasadas corriam para conseguir chegar na escola a tempo. Já na loja da tia moderna ela decidiu que as vitrines precisavam ser mudadas. Escolheu as melhores roupas e começou o trabalho. Quase terminava o primeiro manequim ao ver alguém entrar na loja. Não deu bola, a tia iria atender e ela continuaria com a arrumação.

Ao entrar na loja a cliente não perdeu tempo e logo chamou-a pelo nome.

- Paula!

Irritada e com um sorriso amarelo ela virou e deu de cara com a cliente das calças apertadas que a incomodara dias atrás. A morena reconheceu a voz e a olhou dos pés à cabeça. Os olhos pararam no rosto. Paula não falava. Ficou pálida. A tia chegou a pedir se ela estava bem. Apenas acenou positivamente com a cabeça.

Como se fosse pega de surpresa por uma tempestade ela entendeu tudo que passou no final de semana. A cliente da calça apertada era a mesma que ocupava o banco do carona de um Fusion preto na manhã do domingo. Paula relaxou e riu.

Abraçou a cliente e sem perder tempo foi direto ao ponto:

- Olha essa calça que eu estava colocando na vitrine. É a última que recebemos. Tenho certeza que você vai adorar.

A vingança estava feita. Ao contrário da calçada de retalhos de basalto agora a história tinha um início, um meio e um fim.

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